Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
Longa vida ao trabalho de Danilo Doneda
Pai da ‘proteção de dados pessoais’ na internet morreu no último dia 4
O Brasil perdeu no dia 4 de dezembro o professor e advogado Danilo Doneda. Para aqueles que não estão familiarizados com seu trabalho, Danilo pode ser considerado o pai de um dos temas mais importantes relacionados à tecnologia no Brasil: a chamada “proteção de dados pessoais”.
Vivemos em uma sociedade em que os dados são muitas vezes chamados de “o novo petróleo”. Só que tal como o petróleo, dados também vazam. E quando isso acontece, produzem danos ambientais de difícil reparação, afetando a vida de inúmeras pessoas.
Por décadas, esse tema era praticamente desconhecido no país. Apesar da chegada da internet comercial nos anos 1990 e seu rápido crescimento nos anos 2000, a questão dos dados pessoais continuava incipiente. Tanto é que, apesar de ter previsão constitucional, o país não tinha nenhuma legislação específica que tratasse do tema, apenas normas esparsas em algumas leis.
Tudo isso começou a mudar a partir de 2006. Foi quando Danilo lançou seu livro “Da Privacidade à Proteção de Dados Pessoais”, pioneiro no debate sobre o tema no Brasil. Atuando em colaboração com a professora Laura Schertel, Danilo aos poucos foi construindo todo um campo de estudos e análises sobre a proteção de dados no Brasil. Seu trabalho culminou na aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados em 2018.
Conheci Danilo por intermédio do professor Carlos Affonso, quando dirigimos o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas. Confesso que quando tomei contato com suas ideias em 2007, não dei a devida atenção. Estávamos todos empenhados na construção do Marco Civil da Internet, que naquele momento se concretizava em uma consulta pública nacional. A proteção de dados parecia um capítulo a ser desenvolvido posteriormente. Ledo engano.
Posso dizer que foi Danilo Doneda quem me ensinou sobre a questão da proteção de dados. Ou melhor, foi com ele que o Brasil todo aprendeu sobre esse tema. Graças ao seu empenho, diplomacia e resiliência, esse campo ganhou importância crescente. Em 2010, ainda na FGV, lançamos a primeira consulta pública sobre a construção da Lei Geral de Proteção de Dados, tudo por obra e dedicação dele.
Nossos caminhos continuaram a se cruzar. Trabalhamos juntos como professores no Rio de Janeiro. Danilo integrou o Instituto de Tecnologia e Sociedade no seu início e foi consultor de inúmeros projetos que realizamos. No dia 29 de novembro de 2022 era para nossos caminhos se cruzarem de novo. Estaríamos juntos em um grande evento da AB2L em São Paulo. Fui para o painel esperando revê-lo, mas Danilo não compareceu. Achei estranho, ele jamais faltava a um compromisso.
No dia seguinte fiquei sabendo do estado de saúde delicado e que se encontrava em um momento de despedida da família, dos amigos e colegas. Com o coração arrasado e rezando por ele, consegui enviar uma última mensagem através da sua esposa. Danilo foi um jurista, um amigo, um guerreiro e um professor. Como quem tem conhecimento, ensinava. Mas como quem tem sabedoria, sabia também escutar. Temos uma tarefa coletiva de honrar e dar continuidade ao seu legado.
Já era – não haver cultura de proteção de dados no Brasil
Já é – O Brasil ter uma Lei de Proteção de Dados, graças ao empenho de Danilo Doneda
Já vem – Discussões sobre uma lei sobre inteligência artificial no Brasil, da qual Danilo também participou